Seca flagela sertanejos nos sertões de Sobral.

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Ainda tenho fé em Deus, mas faz é tempo que perdi a confiança nos homens”! Esta exclamação em tom resignado saiu da boca do sertanejo José Martiniano Rodrigues da Silva, agricultor sem terra, residente às margens da BR 222, na localidade de Riacho do Fumo, divisa dos municípios de Sobral e Irauçuba. “Mas, se Deus quiser, a coisa pode mudar duma hora pra outra! Cê num já viu falar que de hora em hora Deus amiora (sic)? Antonce… seja o que Deus quiser”! Para quem vive ou conhece a realidade do sertão nesses tempos de escassez de tudo, sabe que a frase “seja o que Deus quiser” soa sempre como uma dor profunda que sai do coração do sertanejo. Quantas lutas perdidas, desde a broca do roçado, o encoivaramento, o plantio, a limpa! Quantos sofrimentos, desde o trabalho intenso, de sol a sol, ao sol causticante! Quantas súplicas ao “Santo do Inverno”, pedindo chuva. Quantas decepções, porque a chuva redentora não vem, quantas lágrimas derramadas pela perda da lavoura e pela morte dos bichos! Da frustração à resignação: “É isso mesmo! Se Deus não atendeu a nós é porque nós num tamo merecendo! Mas a quem Deus promete, num falta”! Sentencia Martiniano, relatando que, no seu sertão “as percas (sic) foro geral, e o povo passa fome e sede”.
Essas sentenças, no mais das vezes, têm conotação de um desespero íntimo, mas, ao mesmo tempo, denotam aquela confiança em Deus. Naquele Deus em quem o sertanejo sempre repõe sua última esperança, guardada no fundo do seu interior, guardada no cantinho mais escondido do seu coração. Resignação, mas não desistência de sua fé!
Mas, o sofrimento maior do sertanejo não é perder sua safra, seus bichos. Ver um filho pequeno chorar pedindo comida, presenciar a família definhando de fome, morrendo aos poucos pela inanição, aí reside o martírio maior do nosso homem do sertão, flagelado pela seca.
E é nesse quadro de desespero que, no sertão, surgem os “salvadores da pátria”: os políticos, com suas promessas de salvação de tudo. E, desta vez, a mesma história se repete, e com mais ênfase agora, nesses tempos eleitorais.
O personagem citado no início desta reportagem é um sertanejo daqueles que ainda confiam em Deus, mas perdeu toda a confiança nos homens, conforme ele disse, especialmente nos políticos do lugar, e não é para menos. Quantos sofrimentos, quantas caminhadas para ter uma lata de água barrenta que dá cólicas nos adultos e disenterias nas crianças, que não mata a sede do povo do sertão. “É preciso que os home tenha dó (sic) do povo que passa fome no sertão. A água é de necessidade, a gente num pode viver sem ela, mas sem comida nós pode morrer também”, alerta. “Nós precisa de trabalho pra ganhar o sustento da família. Esse seguro da seca só recebe quem tirou empréstimo pra roçado. Não é pra todo mundo”.
Realmente, pelas informações que se tem de grande número de agricultores, o sertanejo definha de fome e sede. Um professor de Escola Pública do Distrito de Taperuaba, que preferiu não ser identificado, fez, indignado, o seguinte paralelo: “No sertão, o homem do campo sofre as maiores agruras em meio ao ambiente hostil da caatinga estorricada pelo sol e pela seca, enquanto que, na cidade, as mansões dos políticos têm piscina de água tratada, cercada de plantas e grama vicejantes, regadas, exaustivamente, pela água que, nos bairros, falta à população”, pontou o professor, protestando ainda: “Isto é uma afronta à dignidade de qualquer cidadão num País que se diz preocupado com as desigualdades sociais e com a distribuição de renda”. Silvério de Paiva Ávila, 53, residente em Vassouras, próximo a Taperuaba, é outro agricultor que acha que “o sertanejo vive esperando pela vontade de Deus, já que nos homens não dá muito para confiar”. Sobre as necessidades que passa o nosso homem do campo ele assim se expressou: É verdade. Tem muita ‘precisão’ pras bandas do Aracatiaçu e da Taperuaba. O povo não teve safra, o inverno não fez água, é triste a situação. Os bichos morrem sem ter pastagem pra comer. E o povo sofre junto com os bichos, além das próprias necessidades”. Para ele, como disse, a situação só não está tão ruim porque também exerce a profissão de pedreiro e sempre encontra algum ganho. Além do mais mora nas proximidades do açude Serrota, que ainda tem água.
Já Francisco Carneiro da Silva, 60, agricultor aposentado, morador do Distrito de Patriarca, às margens do Rio Acaraú, entende que, para ele, a situação não está tão ruim: “Nós tem água à vontade, nas cacimbas de areia do rio e o Presidente Lula deu pra nós Bolsa Família, aposento (sic) e a Dilma vai pagar pra nós o seguro da lavoura. Os bichos tão comendo o verde da beira do rio”, disse o lavrador.
Em visão geral, o sertão está assim: pessoas sedentas e famintas, crianças com verminose, mulheres raquíticas, sertanejos emagrecidos, de pele tostada pela inclemência do sol, desesperados em busca de comida e água para aliviar a fome e a sede da família e dos animais que deveriam prover a sua subsistência.
Ainda não é setembro e os pequenos açudes já estão secos e os maiores com suas águas barrentas ou esverdeadas. O sertanejo cearense está vivendo o enésimo drama da seca, pois esta é cíclica e sempre ocorre, de dois em dois, de quatro em quatro, de dez em dez anos, há séculos. Apesar da conquista e domínio de altas tecnologias sobre obtenção e armazenamento de água, as soluções para os problemas da sede no Nordeste ainda não foram encontradas e nem tem data prevista para acontecer. O sertanejo tenta sobreviver de qualquer maneira, esperando o socorro que não chega. Os carros-pipas, quando chegam aos sedentos grupos de sertanejos, é como se fossem benção caída do céu. Aliás, bênção caída do céu mesmo é a chuva redentora, que, este ano, os sertanejos não tiveram a graça de tê-la.
Temos que reconhecer que algumas prefeituras estão tentando fazer algo, como distribuição sistemática de água em carros-pipas, algumas adutoras, mas tudo ainda muito insuficiente para atender às demandas dos flagelados. Aqui mesmo, em Sobral, alguns açudes já velhos e assoreados, outros ainda inacabados, seus restos de água encontram-se podres e nem sequer servem para matar a sede dos animais.
Um show de solidariedade
A Defesa Civil realiza show para arrecadar alimentos e água potável para vítimas da seca. O objetivo do evento é sensibilizar a população sobralense, não apenas durante a festa, mas durante o ano todo para doar gêneros alimentícios àqueles que sofrem com os efeitos da estiagem
Rayanne Colares
jornal@sobralnews.com.br
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