Vinte e três oficiais foram condenados a 12 anos de prisão pela morte de 13 dos detentos do Pavilhão 9.
São Paulo. Vinte anos, seis meses e 19 dias depois, 23 policiais militares que participaram do massacre no Carandiru foram condenados, cada um, a uma pena de 156 anos de prisão pelas mortes de 13 detentos no segundo pavimento do Pavilhão 9. No total, a invasão da Polícia Militar deixou 111 presidiários mortos.
A sentença foi promulgada pelo juiz José Augusto Nardy Marzagão na madrugada de ontem. Cada PM foi condenado a 12 anos de prisão para cada detento morto. Apesar da determinação de cumprimento da pena em regime fechado, os condenados poderão recorrer da decisão em liberdade. Tanto que a advogada Ieda Ribeiro de Souza, que defende os réus, já recorreu da sentença na tarde de ontem.
Além das condenações, o Conselho de Sentença absolveu três réus que não tiveram participação direta no massacre. Os policiais receberam o resultado do julgamento em silêncio. Havia cerca de 35 pessoas na plateia e a reação do público foi discreta.
O sexto e último dia do julgamento foi o mais cansativo. Os trabalhos começaram às 9h30 do sábado, dia 20, com a acusação alegando que os acusados agiram de forma coletiva.
Os diferentes tiros, de munições diversas nos 13 corpos do segundo pavimento, estavam entre os pontos apresentados para a condenação do grupo. Ainda pela manhã, a acusação pediu a absolvição do soldado Alberto Roberto da Silva e dos tenentes Eduardo Espósito e Maurício Marchese. Segundo os laudos, o soldado não teria agido no segundo pavimento e sim no terceiro, enquanto os tenentes não teriam entrado no corredor onde ocorreram os confrontos.
Em seguida, a defesa apresentou como argumento a incapacidade de apontar as responsabilidades individuais dos acusados em cada uma das mortes. Os oficiais, em sua maioria aposentados, foram considerados culpados pelas mortes de 13 detentos.
Recursos
Mas os condenados devem cumprir pena só daqui a dez anos, dada a quantidade de possibilidade de recursos existentes na lei. Essa foi a estimativa feita pela Promotoria aos jurados durante o julgamento. A prisão só deverá ocorrer quando não houver mais possibilidade de recurso - o chamado trânsito em julgado.
O número de mortos do julgamento foi reduzido de 15 para 13 porque dois deles, Jovemar Ribeiro e José Silva não teriam sido atingidos por policiais. Por isso, suas mortes devem ser julgadas em um outro momento.
Além dos 23 policiais militares, o comandante da operação, coronel Ubiratan Guimarães, foi condenado inicialmente a 632 anos de prisão pela má gestão da revolta e pelas mortes posteriores Mas em 2006, um tribunal anulou a condenação. No mesmo ano, Guimarães foi encontrado morto em circunstâncias até hoje não esclarecidas.
O julgamento dos policiais foi dividido em partes de acordo com os locais em que aconteceram as mortes. O massacre do Carandiru aconteceu durante uma operação para sufocar uma rebelião em 2 de outubro de 1992. Sobreviventes acusaram a Polícia de atirar contra internos que já haviam se rendido.
SAIBA MAIS
O julgamento
23 policiais forma condenados a 156 anos de reclusão por homicídio doloso com emprego de recurso que dificultou a defesa das vítimas. Vinte e seis policiais foram julgados.
Os condenados
Os PMs que poderão recorrer em liberdade, são: Aércio Dornelas Santos, Antonio Luiz Aparecido Marangoni, Antonio Mauro Scarpa, Argemiro Cândido, Elder Tarabori, Fernando Trindade, Gervásio Pereira dos Santos Filho, Haroldo Wilson de Mello, Joel Cantilio Dias, Marcelo José de Lira, Marcos Antonio de Medeiros, Marcos Ricardo Poloniato, Osvaldo Papa, Paulo Estevão de Melo, Pedro Paulo de Oliveira Marques, Reinaldo Henrique de Oliveira, Roberto do Carmo Filho, Roberto Yoshio Yoshikado, Ronaldo dos Santos, Salvador Sarnelli, Sidnei Serafim dos Anjos, Wlandekis Antonio Candido Silva e Zaqueu.
Caso tem repercussão na mídia internacional
Rio de Janeiro. A condenação de 23 dos 79 policiais que participaram do Massacre do Carandiru teve cobertura da mídia internacional com veiculação de notícias na imprensa e na web.
O jornal espanhol "El País" ressaltou que: "como é sabido, a polícia do Brasil é considerada uma das que mais matam no mundo, com a desculpa de que para as pessoas nas rua ´bandido bom é bandido morto".
A BBC de Londres noticiou em seu site a condenação dos 23 réus "por envolvimento em massacre notório em São Paulo". E informou que apesar de rebeliões de presos não serem raras no Brasil, o número de mortos do Carandiru e o ritmo lento para levar os réus a julgamento chocaram os brasileiros.
A ação no Carandiru é lembrada como o maior massacre do sistema penitenciário brasileiro.
Outro destaque relativo ao caso que ainda repercute é a absolvição do coronel Ubiratan Guimarães, que liderou a invasão de policiais à Casa de Detenção.
Ele foi condenado, em 2001, a 632 anos de prisão pela morte de 102 dos 111 prisioneiros vítimas na invasão da PM. Porém, em fevereiro de 2006, o Tribunal de Justiça de São Paulo inocentou o militar, que foi assassinado em 2006.
A Anistia Internacional, organização não-governamental que atua em mais de 150 países em defesa dos direitos humanos, aprovou com ressalvas a condenação dos PMs.
Outros 56 policiais devem ser julgados pelo massacre ainda este ano. O julgamento foi desmembrado de acordo com o local das mortes. Nesta etapa, 23 policiais receberam a sentença. Três foram inocentados.
FONTE: DN/FOTO: AGÊNCIA ESTADO