"Notem que o defunto sob o lençol é apenas um componente a mais da paisagem. Ninguém parece incomodado com o intruso. Não acreditei que as pessoas fossem tão frias a ponto de continuar em suas mesas, tomando cerveja, comendo e mirando a vítima"
Há poucos dias, um jovem foi assassinado a tiros na praça da Gentilândia. A repercussão na cidade não foi grande. Apenas mais um homicídio. O caso virou notícia de rodapé de jornal. Do tipo que tem todo santo dia. Também deve ter saído nos programas policiais que servem defuntos na hora do almoço.
O noticiário informa que foi mais um homicídio de um tipo que se tornou muito comum. Possivelmente, segundo a PM, o caso se relaciona com o tráfico de drogas. A área foi isolada pela PM. Coberto por um lençol, o corpo passou horas estendido no chão.
No dia seguinte, alguém colocou nas redes sociais uma foto retratando uma exdrúxula situação. Na imagem (vejam acima), mesas e cadeiras fora da área isolada. Gente comendo, bebendo, se divertindo. Há poucos metros, o corpo.
Notem que o defunto sob o lençol é apenas um componente a mais da paisagem. Ninguém parece incomodado com o intruso e sua poça de sangue. Desconfiei da imagem. Não acreditei que as pessoas fossem tão frias a ponto de continuar em suas mesas, tomando cerveja, comendo sanduíche e mirando a vítima.
Sim sei que a morte a vida estão banalizadas em Fortaleza e adjacências. Vez ou outra, vejo na TV as crianças se divertindo para as câmeras diante de mais um assassinato na vizinhança. Mas, adultos impassíveis, serenos, comendo e bebendo indiferentes diante do corpo que jazia é um quadro que eu não queria crer como real.
Desconfiado, pesquisei e encontrei outras fotos de outros ângulos. Ficou claro que não era montagem. Sim, já é possível comer um salgado, tomar uma cerveja e bater um papo diante de um corpo a espera da perícia e do rabecão. Chegamos a esse terrível e triste ponto.
O assassinato em questão se deu no início da noite de quinta-feira da semana passada. Na segunda-feira seguinte, o noticiário dizia que ocorreram 34 homicídios na Grande Fortaleza entre a noite de sexta-feira e a noite de domingo. É provável que cenas similares tenham se reproduzido outras vezes.
Nada pode ser mais preocupante que a indiferença diante da morte. É o principal sintoma de uma sociedade deteriorada. No vácuo da autoridade pública, que nem sequer lamenta a montanha de mortos, muitos naturalizam a violência. Outros passam a incentivar os linchamentos.
E assim caminhamos. Não sei exatamente para onde, mas não pode ser um bom futuro se a vida, bem maior da humanidade, não vale o preço se um salgadinho frio.
UMA VARIÁVEL DE 2014
Quando se fala nas eleições de 2014, é preciso considerar as possíveis variáveis que podem influenciar no processo eleitoral de maneira decisiva. Uma questão de grande importância é a seguinte: as manifestações de junho de 2013 vão se estender a junho de 2014?
Pois é. Lembrem-se que, na política, o efeito imediato das manifestações foi uma significativa queda na popularidade dos governantes. Caso elas ocorram em 2014, é muito provável que os maiores prejudicados sejam os que estão no poder, vão concorrer à reeleição ou vão tentar reeleger sucessores.
Mas, a questão continua: as grandes manifestações vão ocorrer novamente? As condições objetivas que levaram milhares às ruas permanecem. Se em junho tivemos a Copa das Confederações, em 2014 teremos a Copa do Mundo. Então, será um quadro bastante similar.
Arrisco afirmar que os eventos de junho passado não vão se reproduzir da mesma forma em 2014. O manifestante médio, de boa fé e sem ligações partidárias não tolera o vandalismo. Não tolera black blocs e outros oportunistas que depredam bens públicos e privados.
Portanto, paradoxalmente, são os vândalos os grandes responsáveis pelo fim das manifestações. A maioria não se dispõe a ir às ruas para servir de amparo à ação desses mascarados que quebram vitrines e tentam invadir os prédios representativos da democracia.
Não duvidem se o difuso desejo de se manifestar contra a corrupção, a qualidade ruim dos serviços públicos e a violência encontrar outros meios de se fazer notar. Pode ser em ações organizadas como panelaços ou coisas que o valham. Pode simplesmente ser nas urnas.
SOBRE OS TRILHOS
Ainda acerca da desistência da Invepar, ligada a OAS, de disputar o direito de operar o metrô e o VLT de Fortaleza, corre no mercado o comentário de que a falta de segurança institucional faz com que a maior interessada apresentasse exigências muito altas para ficar com o negócio. Também pesou na decisão da Invepar de desistir das concessões o não cumprimento de contratos mantidos com as empresas de transporte urbano (reajustado por medida judicial) e intermunicipal, que ainda aguarda a boa vontade da Arce (o contrato reza que o ajuste seria em agosto passado). Em vários setores, a iniciativa privada só aceita investir quando o setor público faz sua parte. Vejam o caso do Centro. É improvável que os interessados na PPP aceitem investir se a Prefeitura se recusar a tirar o comércio informal dos espaços públicos.
DOUTRINA DEMAIS
A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados realizou audiência pública na quinta-feira para discutir a qualidade do ensino no Brasil. Conclusão: a falta de metodologia, associada ao excesso de ideologias na formação dos professores, prejudicam a qualidade do ensino. Do professor Braúlio Porto, da Faculdade de Educação da quase sempre ideologizada UNB: “O excesso de doutrinação ideológica reduz o espaço dedicado à alfabetização e aos outros conhecimentos básicos como português, matemática e ciências.
Enquanto as faculdades de educação de Cingapura oferecem 18 disciplinas de matemática, ciências e língua materna; no Brasil, as faculdades costumam oferecer apenas uma ou duas disciplinas de matemática, ciências e língua”.
Fonte: O Povo